Anhangabaú Tobogã – Lina Bo Bardi
Este projeto foi feito pela equipe de Lina Bo Bardi para o concurso de projetos para o Vale do Anhangabaú, em São Paulo, em 1981. Segue o memorial descritivo da proposta:
“J’aime mieux New York!
C’est hideux, mais c’est Ioyal,
C’est la cite du ‘hard-labour’…
Le Corbusier
La Ville Radieuse
O vale verde do Anhangabaú pode voltar, devolvido aos homens, libertados dos “perigosos inimigos”: os carros. Os pedestres na terra, os transportes em cima. Uma grande estrutura tubular de aço protendido acompanhará o vale do começo da 9 de Julho até a Senador Queiróz, passando por cima do Viaduto do Chá e do Santa Ifigênia, Numa seqüência ondulada. Quatro pistas (sobrepostas em dois planos para carros e ônibus e duas passagens – serviços e emergências para pedestres. Largura total: 9 metros.
A estrutura seguirá como um antigo aqueduto, em baixo o rio de pedestres, as árvores, o verde. Idéia básica da estrutura: transparência e leveza – a protensão o permite. Os suportes verticais tubulares em chapa, serão como velhas árvores tropicais – árvores de aço – lembrando um “pé-de-louco”, a gameleira brava brasileira. As grandes luzes entre os suportes e a grande altura da estrutura darão, no chão, a impressão de árvores isoladas. Idéia fundamental: dar ao ferro/aço a liberdade natural e não e não-simétrica da natureza, contra o esquematismo abstrato-regular. É preciso um suporte? É um cipó, uma ancora? São raízes. É a liberdade rigosrosamente controlada e calculada da natureza, obediência absoluta às “leis que mandam”, nada de “arbitrário”, mas, como na natureza, o máximo de “fantasia”. O piso das pistas será em chapa vazada, isto é, transparente. A estrutura horizontal: treliças protendidas em alguns trechos, com grandes cabos de aço.
Liberando aos pedestres, o vale volta a viver. A passagem subterrânea (São João) será transformada em lago, lembrança do antigo rio do vale; o valho pesadelo das enchentes periódicas se transformará em alegria. Praça das Bandeiras é verde: já é parque. O correio será mantido: futuro centro de “correios populares”: (cartas, recados, dinheiro, enviados por meio de conterrâneos e parentes da Bahia. Pernambuco, Paraíba…: vai-e-vem de notícias, fora dos meios oficiais). Pontos de ônibus descentralizados: pontos de encontros de conhecidos esperando o mesmo transporte. Valorização dos “prédios”: Light, Mappin, Korngold, Palanti. Os velhos e os pequenos prédios, memórias de São Paulo, serão mantidos e recuperados, nada será destruído. No topo do enorme Zarzur, uma choperia-restaurante: um elevador externo panorâmico de vidro e aço levará os clientes até o topo. Voltará o grande Café da Esplanada do Teatro Municipal, centro de reunião ao ar livre, nas tardes ensolaradas e nas noites de concertos. Um enorme gramado, como um campo de futebol, percorrido por caminhos “naturais”, isto é, aqueles escolhidos pelos transeuntes como mais rápidos e orgânicos, chegará até os pés dos grandes prédios. Sombras de árvores frondosas: tipuanas, seringueiras… palmeiras. Nada de grupinhos baixos, “esconderijos perigosos”. Nada de paisagismo abstrato, (galerias de artes pífias, “recantos poéticos” logo transformados em “pissoirs”). Nada de “abrigos” e “taturanas” esparsas – chuva e sol. Bancos de pedras debaixo das árvores e muitos vendedores: picocas, sorvetes, churrasquinhos, livros velhos e jornais novos, cataventos, brinquedos caseiros… será permitido pisar na grama (a grama será logo reposta quando estragada). Um exército de limpadores tirará cada segunda-feira (como nas maiores cidades do mundo) os restos de pique-niques e os papéis e plásticos jogados fora.
Numa cidade que só oferece a seus habitantes que nunca tiveram “carro” ou “sítio”, como diversão aos domingos, o espetáculo de saída-chegada dos aviões em Congonhas, ou os campos do Ibirapuera, o Anhangabaú devolvido ao povo será o parque central da cidade, parque urbano, com estrutura protendida e árvores de aço. Tour Eiffel para cidadão e turistas, montanha russa para ônibus cheios de crianças. O trânsito da região será em parte desviado, há espaços “parasitas” para isto (estacionamentos a esmo, etc, etc,). O metrô, quando pronto, mudará radicalmente a atual situação viária.
É um projeto caro.
Mas os sonhos são sempre a verdadeira realidade: Central Park, Buon Retiro, Hyde Park, Villa Borghese, a Tour Eiffel, Beaubourg… e sobretudo: “o povo não suja e estraga tudo, não joga sujeira de todos os lados”. O povo respeita o que lhe pertence.”
Lina Bo Bardi e equipe (Francisco Fanucci, André Vainer, Marcelo C. Ferraz, Paulo Fecarrota, Guilherme Paoliello, Bel Paoliello, Marcelo Suzuki e Ucho Carvalho)
In Lina Bo Bardi. Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1993. P. 252.”
Post enviado por Gabriel Kogan
Filed under: arquitetura do território, infra-estrutura e metrópole | 2 Comments
Tags:Anhangabaú, Arquitetura Moderna, Lina Bo Bardi, Metróple, São Paulo
Arquivos
- maio 2016 (1)
- março 2016 (1)
- outubro 2015 (2)
- fevereiro 2015 (6)
- janeiro 2015 (7)
- dezembro 2014 (1)
- outubro 2014 (6)
- setembro 2014 (2)
- julho 2014 (1)
- janeiro 2014 (2)
- dezembro 2013 (1)
- novembro 2013 (1)
- agosto 2013 (2)
- julho 2013 (5)
- junho 2013 (3)
- maio 2013 (1)
- março 2013 (1)
- fevereiro 2013 (1)
- janeiro 2013 (2)
- dezembro 2012 (7)
- novembro 2012 (1)
- setembro 2012 (2)
- junho 2012 (1)
- março 2012 (1)
- fevereiro 2012 (1)
- dezembro 2011 (1)
- outubro 2011 (2)
- setembro 2011 (2)
- agosto 2011 (2)
- junho 2011 (1)
- março 2011 (1)
- fevereiro 2011 (2)
- janeiro 2011 (1)
- dezembro 2010 (1)
- novembro 2010 (2)
- setembro 2010 (1)
- abril 2010 (2)
- fevereiro 2010 (2)
- outubro 2009 (1)
- setembro 2009 (2)
- julho 2009 (1)
- junho 2009 (1)
- maio 2009 (2)
- abril 2009 (4)
- março 2009 (2)
- fevereiro 2009 (4)
- janeiro 2009 (3)
- dezembro 2008 (1)
- novembro 2008 (3)
- outubro 2008 (2)
- maio 2008 (3)
- abril 2008 (2)
- março 2008 (5)
los autonautas
-
Posts recentes
- Paulo Mendes da Rocha: as casas que decantaram até a essência
- Urbanismo tático, estágio avançado do urbanismo neoliberal
- Sobre arte, com Raiva (V): A Falta de Panorama da Arte Brasileira
- Sobre Arte, com Raiva (IV): as exposições curadoralizadas
- 10 artigos fundamentais sobre o colapso no abastecimento em SP
- A História das Ruas Contra os Rios em SP
- Os perigos do rodízio de água
- A crise prevista
- Boataria
- Colapso do abastecimento de água não é culpa da natureza
-
arquitetura do território cidade cinema cinema e cidade Crise Hídrica deleuze espaço público | esfera pública fellini imagem infra-estrutura e metrópole linguagens e mídias audio-visuais literatura milton santos O Sertão práticas artisticas práticas documentárias robert smithson Sem-categoria semi-árido Sobre Arte
Páginas
Meta
vida cotidiana como projeto de arquitetura.
muito bacana a descrição.
Muito bom o post! Achei bem interessante. Me chamou a atenção principalmente a parte que você comenta sobre os cabos. Wilson