Robinho
Selecionei esta semana uma citação de um livro para colocar aqui, sobre um tema estranho (mas que tem me instigado a escrever e a ler), mais uma digressão. Talvez seja pouco importante, soe indiferente, para quem lê esse post, mas por um acaso, por um grande acaso, o tema é o ‘Futebol’, e pelo mesmo acaso, o livro escolhido é o mesmo do post anterior do Paulo. Não fazia a mais vaga idéia de que você estava lendo isso, Paulo; nem que havia postado esse trecho, apenas sei que você é palmeirense e eu sãopaulino e que gostamos de futebol (e são assim que as coisas são decididas quando se trata de futebol na mesa do bar). Mais uma coincidência, uma sincronissidade ou dissincronicidade que regem as coisas.
“Mané Garrincha é a apoteose trágica do drible, sua expressão mais simples e mais complexa, elevando ao paroxismo e ao delírio a junção improvável da eficácia com a gratuidade, do utensílio com o inutensílio. Gerações de jogadores teceram variações sobre o drible, inventando novas modalidades de elipse. Rivelino desenvolveu o drible elástico, verdadeira prestidigitação pedal (o termo pedante é só para frisar de propósito a inusitada habilidade exigida pela jogada) em que a bola parece colar, descolar e colar como um ioiô rasteiro, rente ao pé, em movimento serpeante, procedimento que se tornou, desde então, timbre e pedra de toque de raros atacantes especialmente habilidosos. A jogada é uma das muitas contribuições do futebol de salão ao futebol de campo, já que o futsal tornou-se, no Brasil, um verdadeiro laboratório experimental de soluções rápidas em espaço curto, que podem ser reconhecidas no estilo de Rivelino mas também no de Sócrates, dos Ronaldos e de Robinho. Enquanto isso, o Romário tardio, artista da maturidade que domina como poucos a sutileza do elástico, prefere muitas vezes ilidir o drible, numa espécie de elipse da elipse, driblando como se não estivesse (no caso, trata-se apenas de encaixar, com propriedade, o movimento mínimo na fresta exata, encobrindo com pata de gato a própria obra). De algum tempo para cá, pedalar em torno da bola com os dois pés, na corrida, criando em volta dela um campo eletrizado pela iminência de múltiplos toques, que se realizam ou não, virou “moda”: meneio retórico vazio em alguns (verdadeiro lugar comum levando a lugar nenhum), e momento de insight e fulminância em outros. Robinho introduz o que me parece ser um drible de outra geração tecnológica: cria, em alguns momentos, uma espécie de zona randômica envolvendo pé, bola, marcador e campo – num campo de probabilidades proliferantes, paradoxais e paralisantes, que o faz não um “filho do vento”, como o veloz e unidirecional Euller, mas uma espécie de “filho do caos”. É o que aconteceu na antológica seqüência de oito pedaladas sobre Rogério, na final do Campeonato Brasileiro de 2003.(1)”
(1) Na verdade, as oito pedaladas de Robinho aconteceram na final do Campeonato Brasileiro de 2002, contra o Corinthians.
In: José Miguel Wisnik, “Veneno Remédio: o Futebol e o Brasil”. Companhia da letras: São Paulo, 2008
Post enviado por Gabriel Kogan
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Tags:futebol
uau, só agora consegui ler o post – o wordpress brigou comigo.
realmente incrível coincidência
pela sincronia,
o interesse comum era sabido
[e esse livro provoca acessos ao iutube mesmo (viste o messi copiando o maradona contra o getafe?)]