Oiticica Oiticica

18out09

parangole2

Um incêndio destruiu completamente o acervo da Fundação Hélio Oiticica, “mantida” por Cesar Oiticica, no dia 16 de Outubro de 2009. Obras de arte estimadas em mais de US$200 milhões foram transformadas em cinzas.

Não há como não pensar que, por trás desse cruel incêndio, esteja o próprio Hélio Oiticica, falecido em 1980, ou alguma espécie de entidade do artista. Sobretudo na última década, as obras de Hélio, com apoio da Fundação, foram catapultadas pelo mercado, e passaram a ver centenas de milhares de dólares. Logo Oiticica…

Oiticica entrou na moda. Foi tema de bienal, curada por pessoas muito ligadas ao mercado da arte. Oiticica se tornou um dos principais produtos do mercado da arte brasileira. Suas peças são cobiçadas por colecionadores de todo mundo. Logo Oiticica…

O capital se vale do próprio veneno para se multiplicar e transforma tudo em quase nada: o discurso de Hélio Oiticica, que buscava romper as relações tradicionais de contemplação da arte e aproximar a arte do cotidiano, foi assim, de uma década para outra (quase na mesma velocidade que as obras queimaram), transformado em bens. Bens privados. Como a própria fundação.

A arte de Hélio não tinha nada a ver com mercado, era avessa ao produto na arte. Os parangolés quase descartáveis, vestindo personagens anônimos despertavam vida, uma vida da arte no cotidiano, eram ação e eram discurso. Os parangolés acabaram por enriquecer sua família, que vive, ou vivia, de um legado que nada lhe dizia respeito. A fundação trabalhou com o mercado para alavancar o preço das obras de Hélio Oiticica, e transformou em jóias raras, peças de museu, peças de fundações. O absurdo atingiu tal ponto que fotografias de parangolés são vendidas como obras de co-autoria de Hélio por galerias em feiras de arte em São Paulo.

Agora tudo virou pó, felizmente virou pó. Voltou de onde nunca deveria ter saído, do efêmero, do instante, do momento, da vivência. Hélio Oiticica ou sua entidade, devolveu tudo para seus devidos lugares. Não há luto. Há na verdade motivos para se comemorar. A hipocrisia do discurso de alguns poucos que transformam o discurso humanista, construtivista, em objeto de especulação e de mais valia, se queimou no Rio de Janeiro. A imprensa noticiou que ainda sobraram 10% das obras, espalhadas por ai; essas ainda vão arder lentamente em chamas até calcinar, no dia em que a arte invadirá as ruas, e entre vida e arte não haverá, como já dizia Mondrian, qualquer distinção. Queimou!

Gabriel Kogan, 18.09.2009

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3 Responses to “Oiticica Oiticica”

  1. 1 priscyla gomes

    “e o maestro ergueu o dedo
    e além da porta
    há o porteiro, sim…
    […]
    os automóveis ardem em chamas
    derrubar as prateleiras
    as estantes, as estátuas
    as vidraças, louças
    livros, sim…

    e eu digo sim
    e eu digo não ao não
    e eu digo: é! proibido proibir”
    caetano veloso

  2. Gabriel,
    O Hélio deve estar dando umas boas risadas com esse incêndio. Mesmo lá dentro do caixão, no cemitério São João Batista aqui no Rio, aposto que ele não perdeu o senso de humor.

    Agora já estão dizendo que é possivel recuperar 70% do que se dizia perdido no incêndio. Não vão desistir de fazer dinheiro com seu trabalho.

    Os impasses envolvendo herdeiros de obras e museus continuarão acontecendo. E por isso que eu digo, que obra de arte boa é aquela que não existe mais.
    O resto, é mera especulação.

    Felipe

  3. 3 paulo miyada

    a exposição retrospectiva de hélio no itaú cultural (até maio) é um bom pretexto para retomar essa conversa.

    ali estão as pinturas, os bólides, os parangolés e penetráveis. será tudo uma farsa reencenada? não sobra nada quando vemos tudo reconstruído, transposto ao espaço do museu?

    após visitar a exposição acredito que sobram dois elementos para serem bem vistos:
    1. os metaesquemas e relevos espaciais, conversas diretas com a pintura, suporte consagrado pelas belas artes: são obras eloqüentes que juntas falam ainda mais alto. resistem ao espaço do museu ao e o torcem em torno de si mesmas.

    2. o espaço composto por telas translúcidas no segundo subsolo, cujo título me falta: sua escala e composição garantem um desvio do próprio espaço do múseu, assim como a instalação éden que sobreviveu ao espaço da galeria whitechapel em londres, essa me parece uma obra que naturalmente conquista o visitante a vivê-la como um bolsão, um labirinto em que algumas regras e protocolos ficam em suspenso.

    sobra também uma dúvida sobre o que acontecerá com os penetráveis reconstruidos em espaços públicos da cidade, a ver.

    e restam também momentos em que a reconstrução e reencenação simplesmente naufraga na sensação de estar visitando uma cenografia, assunto que poderia ser muito bem discutido justamente com a curadora da bienal que elencou o trabalho de oiticica como argumento curatorial e preferiu não expor reconstruções de suas obras.

    abçs,
    p


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