Tom Zé Anti-Belo
Picasso pegava restos de madeira e alguns arames enferrujados e transformava-os em um queixo de um cinocéfalo. Tom Zé pega o queixo do cinocéfalo de Picasso e o transforma em restos de madeira e em alguns arames enferrujados. Edgar Allan Poe, John Cage, Platão, João Gilberto: o supra-sumo da beleza reduz-se a sua essência no discurso tropicalista do baiano de Irará. É um anti-belo, uma anti-bossa.
Para Lina Bo Bardi, o espaço do MASP, a partir de sua incompletude, poderia ser construído pelos próprios visitantes e deveria ser livre o suficiente para isso. O vazio do vão espera por novos usos. A escada do museu, hoje cercada, seria então um pequeno palco, um pequeno altar, um lugar para um discurso. Nada poderia ser projetado na vida política da cidade. A música do Tom Zé não seria isso? Um espaço incompleto esperando sempre por construção? Um convite para um crie-você-mesmo, que em nada tem a ver com Martha Stewart.
O som de Tom Zé não é exatamente feio: é apenas anti-belo, como o MASP. Tom Zé também não é pop, porque o próprio pop tem uma espécie de beleza que ele desconstrói junto com a dodecafonia de Schoemberg. O vocabulário, produto da digestão, é a linguagem do dia-a-dia.
Seus shows são uma seqüência de surpresas e constrangimentos, como se houvesse a construção de um novo mundo. Uma performance musical de 2 horas ou mais que não deixa em nenhum instante de ser música, apesar das longas falas. Regendo uma pequena orquestra Tom Zé dança de forma engraçada, um freestyle que sugere uma vez mais, agora a partir do corpo, o crie-você-mesmo.
Da tropicália, quarenta anos depois de seu início, sobraram duas anti-teses: a impecabilidade harmônica rítmica e melódica e poética de Caetano Veloso (uma espécie de estágio avançado da cultura brasileira em sua forma contemporânea) e a anti-estética anti-bela de Tom Zé.
Perto de Tom Zé, Caetano parece, no entanto, um engravatado de tão grave. Perto de Caetano, Tom Zé parece um menino fanfarrão. A tropicália hoje é isso. O belo e o anti-belo. Mas o anti-belo parece querer ainda desconstruir nossos costumes.
Certa vez, em um de seus shows, Tom Zé mencionou um personagem de Edgar Allan Poe que era capaz de transitar entre o mais elevado nível da cultura e o mais simples. Esta é a melhor analogia de sua própria música. Para desconstruir uma coisa é fundamental primeiro conhecê-la a fundo. É isto que ele faz.
Ainda encontraremos esses arames e as madeiras do cinocéfalo no meio da rua.
Post enviado por Gabriel Kogan
Filed under: linguagens e mídias audio-visuais, literatura, práticas artisticas | 2 Comments
Tags:Belo, caetano veloso, Lina Bo Bardi, Tom Zé
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tinha visto o texto e guardava comentários entusiasmados sobre ele.
além do comentário sobre a lina + as observações sobre as origens do tropicalismo, uma coisa que me pegou de fato foi a brincadeira sobre a responsabilidade cognitiva das músicas. tentei refazer a narrativa buscando correspondências ao loooongo discurso do show e as melodias.
inquietações adiadas pela euforia do fim embalada pelo forró dançante que adia o peso de todo aquele discurso para uma “digestão” posterior.
viagens minhas que estava aguardando para compartilhar…
anti-belo, sim;
anti-estético, o tomzee?