uma breve rapsódia da arquitetura moderna brasileira do século XX

11dez10


Com exceção do problemático livro do francês Yves Bruand, “Arquitetura Contemporânea no Brasil” de 1981, nenhum autor se aventurou a escrever o que seria uma ‘história da arquitetura brasileira’. Talvez esta fosse uma missão grandiosa demais, não apenas pela qualidade da arquitetura produzida no Brasil no século XX, mas também pela quantidade e complexidade de escolas dessa produção. Dessa forma, aquele que seria, quem sabe, o mais importante conjunto nacional de obras da arquitetura moderna internacional ainda carece de uma ‘história’.

Não apresento aqui nem um esboço, nem uma sugestão desse extenso e, necessariamente, meticuloso trabalho. Este texto é apenas uma rapsódia da arquitetura moderna brasileira do século XX.

A figura do rapsodo remete a Grécia Antiga, quando recitadores andavam pelas cidades declamando sinteticamente poemas épicos e difundindo os mitos primordiais da sociedade helênica. Cabia ao rapsodo um papel de resumo das tradições e dos textos, no próprio uso da linguagem oral. O modernismo incorporou a idéia das rapsódias, ora de forma irônica ou antropofágica. Macunaíma é por vezes considerado uma rapsódia e George Gershwin escreveu sua própria rapsódia azul. Antes deles Franz Liszt fez as Rapsódias Húngaras e mais recentemente Freddie Mercury.

Hoje, o senso comum relaciona as rapsódias a uma justaposição de melodias sem grande unidade formal. Pois essa rapsódia é uma breve síntese de algumas linhas melódicas fundamentais da arquitetura brasileira, que são apresentadas também de forma resumida.

Valendo-se de uma estratégia quase Hobsbawmniana, o século XX dessa rapsódia começa em 1929 com a visita de Le Corbusier ao Brasil e termina em 2004 com a execução de 21 CEUs (Centro Educacionais Unificados) em São Paulo. Sete projetos compõem essa rapsódia da arquitetura moderna brasileira do século XX, sendo que um deles, o MuBE foi selecionado mais por sua importância simbólica na constituição de uma ‘escola’ do que por sua importância arquitetônica.

Os setes projetos dessa rapsódia (organizados pela data de conclusão), de qualquer forma, podem ser considerados o supra-sumo da produção arquitetônica pelo Homem e estão, ao menos, em plena igualdade com o melhor da produção da arquitetura na Europa e no Japão.

1- Ministério da Educação e Saúde Pública do Rio de Janeiro (MESP, MÊS, MEC ou Palácio Capanema), 1945 – Lucio Costa, Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos, Jorge Machado Moreira, Roberto Burle Marx e Le Corbusier. Gustavo Capanema, nomeado por Getúlio Vargas para o Ministério da Educação e Saúde Pública, organizou um concurso para construir uma nova sede do ministério. O edifício deveria refletir o espírito político moderno e a relação com as novas artes que se consolidavam no Brasil. Ironicamente, o concurso premiou um edifício proto-moderno e rapidamente o próprio ministro melou o edital e entregou o projeto para que Lucio Costa organizasse um grupo de jovens arquitetos. O governo brasileiro convidaria então o arquiteto franco-suíço Le Corbusier, que já havia visitado o país em 1929, para participar do projeto e validá-lo. O edifício do MEC fundou princípios modernistas da arquitetura brasileira e foi a primeira concretização dos cinco princípios corbusianos em um edifício-torre no mundo. Sobretudo, o projeto abriu caminhos para que o modernismo internacional fosse reinventado para o clima e as condições tropicais. Brises de concreto permitem sombreamento e conforto térmico no interior e a quadra aberta modernista é um respiro público no denso tecido urbano construído do centro do Rio de Janeiro. O projeto do MEC prima pelo excelente desenho e o extensivo detalhamento. Praticamente todos os elementos do edifício, da maçaneta da porta ao complexo caixilho de vidro, foram desenhados e produzidos especificamente para o Ministério. Outro aspecto importante do projeto e que o torna único é o preciso desenho da fachada de vidro elaborado pelo grupo de arquitetos, além da proporção da volumetria e a relação dela com os jardins. Um jovem arquiteto em especial, chamou a atenção do mestre Le Corbusier: Oscar Niemeyer que sugeriu que os pilotis fossem altos e o prédio perpassasse o volume horizontal, solução que inaugurou a tradicional “planta em cruz de volumes perpassantes” da arquitetura brasileira.

2- Conjunto Habitacional Pedregulho, 1947 – Affonso Eduardo Reidy. Por incrível que pareça, o conjunto habitacional quase em ruínas na periferia do Rio de Janeiro pode ser considerado um dos mais importantes projetos de arquitetura brasileira da história. A obra projetada pelo funcionário público da prefeitura da então capital federal, Affonso Eduardo Reidy, propunha uma forma humanista para a questão habitacional metropolitana no Brasil; aproximando a ‘casa’ dos demais ‘edifícios públicos’ que compõe uma cidade. O edifício lâmina com 272 unidades aproveita a encosta de uma montanha para desenhar sua curva. Entra-se no prédio por um andar livre no terceiro piso que distribui por escadas o acesso aos apartamentos. Reidy viabilizou assim o prédio em seis andares (dois sob a rua e quatro em cima dela) sem o uso de elevadores. Esse andar livre intermediário é uma rua coberta, um verdadeiro espaço público para todos os moradores. No fim do declive, na parte baixa do terreno, foram locados os demais edifícios, os equipamentos públicos, com destaque para o posto de saúde e a belíssima escola com murais de Portinari e Burle Marx. As salas de aula demonstram uma grande preocupação projetual com a qualidade dos espaços, abrindo-se, todas elas, para generosas varandas. Além disso, este equipamento educacional (uma escola-parque) reúne quadras esportivas e piscinas, funcionando também como centro comunitário. O Pedregulho é uma seqüência de lições para arquitetos e dirigentes: um arquiteto que se dedicou ao trabalho público em um órgão público, idealista na construção de um país; uma arquitetura pública de grande qualidade construtiva e formal, de imensa generosidade com os usuários; uma arquitetura que permite que os habitantes ‘respirem’, que utilizem os amplos espaços vazios e públicos; uma cidade construída considerando os problemas de forma integrada, sem que a casa seja colocada do outro lado da cidade da escola; uma habitação social com qualidade de espaços internos e externos, em que não há apenas a obrigação de suprir unidades mas sim fazer isso da melhor forma possível considerando antes a vida dos próprios moradores. O Pedregulho é mais do que um edifício, é um manifesto político sobre a arquitetura e sobre a gestão pública. Não é a toa que hoje ele esteja abandonado, ele foi forçado a se destruir, para mostrar, mesmo que de forma dissimulada, que esse não era o rumo certo para as cidades. O Pedregulho está a frente do seu tempo, ainda a frente do nosso tempo. É curiosa a história de que, quando Max Bill veio para o Brasil para conhecer e comentar a arquitetura brasileira, ele ficou chocado com a produção que viu, sobretudo os edifícios de Niemeyer, porque a arquitetura no Brasil não tinha “respeito com o público”. Mas o arquiteto Suíço deu nome a uma única ressalva na arquitetura brasileira: o conjunto Habitacional do Pedregulho não poderia, de qualquer forma, ser questionado.


3- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), 1969 – João Batista Vilanova Artigas. A FAU-USP integra um conjunto de edifícios no plano de urbanização da cidade universitária chamado “Corredor da Humanas”. Dos projetos originais, apenas o primeiro edifício, da História e Geografia, e o penúltimo, da Arquitetura, foram executados. As demais faculdades das Ciências Humanas, que configurariam um passeio de integração acadêmica dentro da universidade, nunca saíram do papel. Para esses projetos foram escolhidos emblemáticos arquitetos de São Paulo. Coube ao prédio da arquitetura aquele que era considerado já na época o mestre da Arquitetura Paulista e importante professor da faculdade, Vilanova Artigas. O projeto é radical: um edifício sem portas, com um grande vão central, organizado em diferentes andares e com uma circulação principal em rampas. O edifício da FAU-USP é uma forma arquitetônica de combate e resistência da ditadura militar e que foi, quase que milagrosamente, construída dentro do período do regime. Com o temor de nunca se concluir por causa de seus princípios comunistas que são refletidos no edifício, Artigas acelerou a construção. Logo depois da inauguração, juntamente com outros professores da USP, incluindo o próprio Paulo Mendes da Rocha, ele foi cassado pela ditadura. O prédio, no entanto, estava construído e se tornaria uma lição para todas as futuras gerações de arquitetos que passam por lá. Um espaço aberto, “onde todas as atividades são lícitas”. Se por fora a forma de concreto lembra uma fortaleza, por dentro a construção e a espacialidade do vazio são desenhadas de forma precisa. Do salão caramelo no térreo, uma espécie de praça coberta, pode-se ver todo o imenso edifício e a cobertura em grelha com iluminação natural que banha os espaços. As largas rampas conectam os diferentes andares e são um lugar de encontro. No penúltimo piso estão os generosos estúdios e, no último andar, ficam as salas de aula. A FAU é uma seqüência de espaços vazios que precisam permanecer assim a não ser pelo estado temporário do corpo que os ocupa. Mas o edifício dialoga com a eternidade e desafia, a cada instante, os estudantes a reinventarem os espaços e conviverem com aquela arquitetura. Desafia a projetarem algo tão preciso, tão inventivo e tão generoso; uma espécie de templo da arquitetura. Como diria o próprio Artigas, “Eu queria que a entrada fosse como ela é: um peristilo, clássico, grego, e que não tem porta. Só entram deuses dentro da FAU, lá não tem frio nem calor”.

4- Palácio do Itamaraty, 1970. De todos os belos e grandiosos palácios de Brasília, o Itamaraty é o mais impressionante. O exterior comportado e solene, com arcadas de concreto ritmadas e desenhadas com proporções perfeitas, não demonstra a complexidade e precisão dos espaços internos. O Itamaraty muito dificilmente pode ser descrito em palavras ou fotos, é o típico caso em que a arquitetura deve ser vivenciada. Mas se alguma palavra pudesse expressar o espanto do Itamaraty, essa palavra certamente seria um superlativo. O Itamaraty é barroco na sua essência, assim como boa parte das obras de Niemeyer, é feito para impressionar. Nesse projeto o arquiteto demonstrar conhecer uma das coisas mais difíceis da arquitetura: a proporção perfeita dos espaços internos. Na arquitetura, cada proporção e cada medida causam diferentes efeitos, inclusive psicológicos, em quem está no espaço. O domínio completo disso requer que o arquiteto consiga visualizar precisamente o espaço através da representação técnica da arquitetura (plantas e cortes) antes da obra ser construída. São raríssimos os arquitetos que tem total conhecimento dessas proporções, e Niemeyer atinge seu ápice justamente no Itamaraty. As salas de atividades e recepções do Ministério das Relações Exteriores em Brasília têm tamanhos e pé-direitos diferentes, e se relacionam perfeitamente entre si. No térreo, o grande salão de recepção exibe um belo jardim interno de Burle Marx e um piso modulado desenhado por Athos Bulcão. Mesmo em um lugar tão solene quanto um palácio feito para receber líderes internacionais, o salão do térreo brinca com a idéia de espaço fechado e aberto. Esse mesmo espaço cresce em altura revelando uma esbelta escada caracol sem corrimão que é invariavelmente lembrada como uma das escadas mais belas da arquitetura. No último andar, salas de diferentes tamanhos são articuladas continuamente numa referência aos antigos e grandes palácios europeus. Ao contrário do que acontece em Versailles, as salas do Itamaraty não são enclausuradas mas revestidas de vidros que se abrem inteiramente para varandas, como nas construções coloniais brasileiras. Caminhando pelo edifício, percorrendo os grandes vãos desse piso, em certo momento, não é possível distinguir mais se está dentro ou fora, se o espaço é um jardim ou uma sala fechada de recepção. A permeabilidade dos espaços e a importância das varandas-jardins domínam a sensação dos espaços. O edifício do Itamaraty é uma síntese executada com perfeição das concepções modernas da arquitetura de Brasília e do diálogo dessa arquitetura com toda a história das construções no mundo.

5- Sesc Pompéia, 1977. Lina Bo Bardi sintetiza, no SESC Fábrica da Pompéia, os principais pressupostos da sua arquitetura: a construção de um espaço livre qualificado que pudesse ser construído pelos próprios visitantes (uma espécie de livro aberto) e a discussão materializada da relação entre a arquitetura moderna e a cultura popular. Ao visitar a fábrica que daria lugar ao SESC, Lina ficou maravilhada com o lugar: além da bela e pioneira estrutura de concreto, a fábrica, mesmo que abandonada, estava aberta para os moradores que a ocupavam de forma intensa. A arquiteta então escreveu: “Crianças corriam, jovens jogavam futebol debaixo da chuva que caía dos telhados rachados, rindo com os chutes da bola na água. As mães preparavam o churrasquinhos e sanduíches na entrada da rua Clélia: um teatrinho de bonecos funcionava perto da mesma, cheio de crianças. Pensei: isto tudo deve continuar assim, com toda esta alegria”. O projeto elaborado seria então um ‘restauro-reinventado’ da fábrica de tambores de geladeiras que teria assim seu espaço convertido num espaço recreativo, cultural e esportivo. Os elementos construídos para esse processo de modificação programática possibilitaram que os usos já encontrados por Lina em sua visita à fábrica desativada pudessem ser catalisados. O programa esportivo e recreativo, como as quadras e a piscina (balneário), teriam que ser abrigados em um novo edifício com grandes vãos. Lina projeta então dois pesados volumes de concreto locados no fim do terreno e divididos por um importante córrego da região que delimitou uma área não construível. As passarelas suspensas são, portanto, a conexão do bloco da circulação com o bloco esportivo sem que o edifício toque o solo onde correm as águas. São, na verdade, passarelas-pontes que transpõem o rio. A solução de concreto armado expõe uma arquitetura “tosca”, bruta, que transparece o saber-fazer e a verdade dos materiais. As estranhas aberturas no concreto, janelas gigantescas com formato amebais soam como mais um comentário (e o SESC Pompéia está cheio deles) sobre o Nordeste e a cultura popular: os buracos no concreto remetem à imagem descrita por Euclides da Cunha das casas bombardeadas pelo exército republicano em Canudos. Durante o período de obras do SESC Pompéia, Lina Bo Bardi mudou seu escritório para dentro do canteiro, intensificando a relação da arquitetura com o saber-fazer. Na verdade essa parece ser a temática principal do projeto do SESC. As soluções construtivas eram discutidas no lugar com os operários, que tinham liberdade para criação. Os desenhos do projeto não eram, em sua maioria, desenhos técnicos, mas sim desenhos poéticos, que passavam apenas um ideário de toda a arquitetura.

6- MuBE, 1995. Paulo Mendes da Rocha é uma espécie de Mestre sem uma Obra-Prima. Nenhum de seus projetos tem a potência de um SESC Pompéia ou a espacialidade do prédio da FAU. No entanto a figura do Professor Paulo Mendes da Rocha teve, nas últimas décadas, gigantesca importância. Nenhum outro arquiteto no Brasil exerce hoje tanta influência na criação de uma escola, nenhum outro arquiteto tem tantos discípulos quanto Paulo. As suas falas e palestras carregam um tom sedutor, animador e doutrinário. Paulo Mendes, já discípulo de Vilanova Artigas, assume como missão a continuidade da história da arquitetura paulista, a continuidade da escola. Se seus discursos geralmente falam sobre construção humanística do território na América; seus projetos realizados geralmente giram em torno da possibilidade da arquitetura construir uma nova natureza, sobretudo através do trabalho da topografia e dos planos de corte do edifício, fazendo da estrutura e da brutalidade do concreto, a própria forma da natureza da arquitetura. Sua casa, projetada no bairro do Butantã em São Paulo em 1964, e que é considerada por muitos sua obra mais significativa, já emerge destas questões. A casa, no entanto, nunca foi uma unanimidade e é acusada, desde o começo, de ser ‘inabitável’ por ser escura demais e não oferecer qualquer privacidade para seus habitantes. O projeto da casa pretende enfrentar os paradigmas burgueses e a idéia de uma habitação convencional. É uma casa experimental. Ela desafia os usuários a cada instante. Os edifícios mais recentes de Paulo Mendes são marcadas por uma busca pela solenidade. O MuBE é uma síntese de suas  principais idéias em que o desejo de construção de uma nova geografia é radicalizado. O museu, no sentido tradicional, fica todo no subterrâneo e, no térreo, uma praça é um espaço livre da cidade e também jardim expositivo. Nesse lugar, uma grande viga apenas apoiada sobre pilares parece uma grande pedra flutuando. Esse elemento, desenhado pelo cálculo estrutural, organiza as entradas e áreas de sombra do terreno. A intenção de projetar a cidade a partir do desenho do edifício, sobretudo de um edifício público, esbarra no caso do MuBE na total falta de urbanidade do entorno e na mentalidade retrógrada da direção do museu (e da cidade de São Paulo) que gradeou a praça logo nos primeiros dias depois da inauguração. Sobre isso Paulo Mendes é enfático dizendo que “não é o MuBE que está gradeado, mas as pessoas que gradearam o MuBE que estão presas dentro dele”. O Museu tem outra importância específica para a carreira de Paulo Mendes. Em meados da década de 1980, Paulo tinha pouco trabalho. Depois de projetar o MuBE, Paulo ganhou novamente grande projeção o que lhe permitiu construir muito. Além disso, retomou o prestígio como professor. É a partir da década de 1990 que jovens arquitetos começaram a se organizar em torno de sua figura e bons escritórios, como o MMBB e o SPBR, surgiram como continuação da escola paulista de arquitetura.

7- Centro Educacionais Unificados de São Paulo (CEUs), 2004 – Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderley Ariza. Apesar de terem sido construídos em 2004, os CEUs foram concebidos quase quinze anos antes e foram, ao longo desse tempo, meticulosamente desenvolvidos. Os CEUs dão continuidade ao projeto da arquitetura moderna que ganhou forma no século XX*. No Brasil, em que as cidades já são construídas de forma precária e que os direitos sociais nunca foram minimante universalizados, onde não há um Estado de bem estar social estabelecido, o projeto moderno ainda é válido e necessário. Os 21 CEUs foram implantados cuidadosamente em lugares da cidade de São Paulo de difícil acesso aos serviços públicos, em outras palavras, na extrema periferia. Todos juntos, os centros compõem um sistema-rede, extremamente potente. A arquitetura nesse caso foi fundamental e ativa em todo processo. Os arquitetos conceberam o projeto e coordenaram o trabalho público, numa tradição que tem em Reidy uma das principais referências no Brasil: a arquitetura dos CEUs não é passiva, mas propõe através do escritório público de projetos (a EDIF, no caso), as diretrizes de estruturação da metrópole e das políticas. Os CEUs põe em prática uma postura projetual que preza pelo trabalho integrado de diversos conhecimentos. A concepção pedagógica foi pensada, por exemplo, em conjunto com a secretaria de educação (ainda quando Paulo Freire era secretário). A possibilidade concreta de execução da idéia fez com que os CEUs fossem apropriados politicamente e ganhassem o nome de uma coisa que não são. Os arquitetos se recusam até hoje a chamar o próprio projeto de Centro Educacionais Unificados, preferindo o nome Centro de Estruturação Urbana. De fato, os CEUs não são meras escolas gigantes, mas sim um centro de toda a comunidade que, na escala da metrópole, tem a potência de estruturação da cidade. As atividades dos CEUs extrapolam as atividades educacionais para crianças e jovens: bibliotecas, quadras, piscinas, assistência médica e teatro são abertos para os moradores de toda a região. A própria escola não é simplesmente uma escola, mas uma escola-parque, no modelo proposto por Anísio Teixeira e desenvolvido em São Paulo algumas décadas antes pelo arquiteto Hélio Duarte. Isso responde a insistente pergunta se todas as escolas deveriam ser como os CEUs, o que seria virtualmente impossível. Nem todas as escolas do modelo de Anísio Teixeira são escolas-parque (como os CEUs) e sim existiriam numa proporção de 1 para 5 com as escolas-classe. As crianças transitariam a pé entre as duas escolas, tornando a própria cidade uma escola, a cidade educadora. Os CEUs acabaram se tornando marcos na periferia da cidade que carece de qualquer referência física. São espécies de monumentos, monumentos ativos, e também respiros de espaço público na densa construção do tecido urbano precário da periferia. Seu destino é alegre e imensamente triste. É alegre porque inspira as pessoas que usam seus espaços, inspira também arquitetos; é triste porque os CEUs foram vítima da mesma política que o executou, uma política meramente partidária sem, de fato, futuro possível. As novas unidades dos CEUs foram convertidas em escolões, com um projeto pedagógico pobre e uma arquitetura medonha que não merece qualquer comentário. O projeto original foi saqueado. Mas os CEUs da EDIF são a maior inspiração no Brasil para a arquitetura e para uma rapsódia do século XXI.

(*) A Europa depois da primeira-guerra se viu em pedaços e um grupo de arquitetos começou a desenvolver um pensamento que tinha em comum o alinhamento do poder do Estado à agilidade produtiva da grande Indústria na construção e reconstrução das cidades. Nascia assim o movimento moderno da arquitetura. As cidades poderiam, aproveitando as novas técnicas, se refazer como nunca antes tinham sido feitas, universalizando os direitos sociais como a moradia e a educação. Esse projeto foi levado a sério na Europa e a arquitetura participou ativamente na construção do estado de bem estar social.

Sobre outras obras

Além dessa sete obras, outros três edifícios poderiam tranqüilamente integrar esta rapsódia: o museu urbano MASP de Lina Bo Bardi, o edifício-cidade COPAN renegado pelo seu autor Oscar Niemeyer e o museu-estrutura MAM de Affonso Eduardo Reidy. Essas edifícios são de arquitetos já citados aqui.

crédito das fotos

A foto do MEC é do mestre em fotografia de arquitetura brasileira Nelson Kon. Já as fotos do Pedregulho, Fau, Sesc, MuBE são de 3 excelentes jovens fotógrafos brasileiros de arquitetura. Pedregulho, Pedro Vannucchi (http://www.pedrovannucchi.com/); Fau, Pedro Kok (http://www.pedrokok.com.br/); Sesc e MuBE, Rafael Craice (http://www.flickr.com/people/craice/)

ver mais no cosmopista:

pedregulho https://cosmopista.wordpress.com/2008/10/18/pedregulho/

sesc https://cosmopista.wordpress.com/2009/02/14/sesc-fabrica-da-pompeia/

paulo mendes https://cosmopista.wordpress.com/2008/11/04/canais-laterais/

ceus https://cosmopista.wordpress.com/2009/02/06/363/

Post escrito e enviado por Gabriel Kogan

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