Um sistema de transporte público cicloviário para São Paulo
uma proposta de transformação de vagas de estacionamento de carros em ciclovias urbanas
Enquanto o mundo discute em São Paulo na C40 sistemas de transporte alternativos, a própria cidade brasileira parece desconhecer totalmente do que isso se trata. Propagandas políticas anunciam a inauguração de vários quilómetros de ciclofaixas. Pura demagogia. Há várias décadas prefeituras inauguram e desinauguram as agora chamadas ciclofaixas para uso, somente (cuidado!), aos Domingos. Luiza Erundina tinha sua ciclofaixa na Juscelino Kubitschek. Mais recentemente, José Serra experimentou o uso inclusive da Avenida Paulista.
Do ponto de vista urbanístico, as ciclofaixas tem pouca importância; são uma alternativa temporária aos parques para o lazer dominical. As ciclofaixas tem mais importância propagandística do que qualquer coisa. Funcionam apenas um dia por semana das 7hs às 16hs e tem um alcance limitado conectando alguns parques da cidade. É para inglês ver e classe média usar.
O que o mundo inteiro está discutindo e São Paulo não faz idéia do que se trata, é algo completamente diferente do que as tímidas e restritas ciclofaixas: é um transporte urbano de bicicletas. Em outras palavras, as bicicletas não são simplesmente um esporte ou um lazer de final de semana, mas sim uma alternativa aos carros (e mesmo ônibus) para o transporte diário. Para isso, é fundamental uma rede completa de ciclovias permanentes.
Em São Paulo existem três principais desafios para estabelecimento dessa rede de transporte limpo: a agressividade do trânsito urbano, a falta de espaços livres nas ruas e a topografia acidentada em algumas regiões. Nenhuma dessas questões inviabiliza um sistema cicloviário. O único motivo que, de fato, inviabiliza o uso da bicicleta em São Paulo são os interesses políticos que sobrepõe o transporte rodoviário em relação a qualquer transformação urbana desejada.
A agressividade do transporte rodoviário impõe a necessidade de construção de ciclovias independentes que, apesar de próximas ao fluxo de veículos, devem ser devidamente separadas e sinalizadas. Uma faixa aberta, junto dos carros, parece ser, na prática, inviável. É como a também demagógica “Faixa Cidadã” para motocicletas. As bicicletas precisam – antes que os motoristas aprendam a respeitar inteiramente a circulação de bicicletas que é prioritária em relação aos carros – de uma faixa separada, seja com tartarugas ou qualquer outro tipo de construção leve. Além disso, é fundamental a instalação de semáforos específicos com tempos próprios para as bicicletas.
Mesmo assim permanece a pergunta: onde ficam estas ciclovias na cidade? Uma rede completa de ciclovias em São Paulo deve ser gigantesca, com várias centenas de quilómetros. Idealmente as ciclovias modulam o tecido urbano a cada 500 metros, fazendo com que o ciclista não se desloque mais do que 250 metros para atingir uma via segura. A cidade parece não ter espaço para isso.
Existe, no entanto, uma solução simples, pouco custosa e muito eficiente para estabelecimento desse sistema: uma massiva substituição de vagas do lado direito das ruas por ciclovias. O espaço reservado para estacionamento dos carros junto do meio fio, geralmente locado em uma faixa de 2,10m de largura contínua em toda rua, é ideal para a instalação das ciclovias. Portanto,uma rua a cada 500m teria uma ciclovia própria, construída nessa faixa de estacionamento, retirando as vagas de carros.
Nos corredores comerciais, as ciclovias substituem as vagas de Zona Azul (estacionamento rotativo). A princípio isso poderia parecer difícil, porém duas consequências positivas serão sentidas a longo prazo. Primeiramente a falta de vagas dificulta o deslocamento de automóveis para esses corredores, incentivando o uso da bicicleta. Eventualmente pode ser necessária uma política compensatória de construção de edifícios de estacionamento que absorvem as vagas substituídas. Além disso, o uso da ciclovia em corredores comerciais aumenta drasticamente o trânsito de pessoas e o movimento das lojas.
A instalação da ciclovia na pista da direita estabelece um problema em relação à conversão do carro para esse lado. Incialmente, dada a total selvageria do trânsito em São Paulo, será necessária a instalação de um semáforo específico para bicicletas (como existem ou deveriam existir para pedestres). A conversão a direita para entradas de carros (garagens, lojas etc) deve respeitar prioritariamente o fluxo no meio de quadra das bicicletas. Assim o carro deve aguardar na rua com seta ligada a passagem das bicicletas e passar com cuidado pela divisão (como por exemplo as tartarugas). Trata-se de um procedimento idêntico ao praticado com pedestres. Não há dúvida que a prática será civilizatória.
Por fim resta o problema topográfico de São Paulo, com seus vários morros. É muito comum o discurso de que o sistema de ciclovias na cidade seria inviável pelo esforço necessário imposto ao ciclista para vencer alguns desníveis. Trata-se de um problema tradicional para a rede de ciclovias em todo mundo e não por isso o uso de bicicletas foi descartado ao longo da história.
A rede de transporte público de bicicleta em São Paulo deverá incluir a instalação e manutenção de elevadores específicos. Já usados em alguns lugares do mundo, os elevadores de bicicletas são instalados nas ciclovias e auxiliam o ciclista a subir morros empurrados pelos pedais por uma força mecânica. A Trampe (http://www.trampe.no/english/index.php) da Noruega é uma das empresas especializadas nesse tipo de equipamentos. Trata-se de uma solução simples, segura e relativamente barata. Talvez com poucas dezenas de elevadores em São Paulo será possível construir uma rede completa de ciclovias.
O sistema não estaria completo sem o próprio meio de transporte. Como em praticamente todas as principais capitais europeias, é fundamental em São Paulo a implantação de bicicletas públicas, que são retiradas gratuitamente ou a baixíssimo custo em estacionamentos especiais localizados nas calçadas. Em Paris as bicicletas urbanas já são uma das principais formas de transporte. Existem mais de duzentas mil bicicletas na cidade. Sim! Duzentas mil, divididas em milhares de estacionamentos. Em São Paulo esse número deveria ser ainda muito maior para atender toda demanda da cidade com 20 milhões de pessoas. Isso dá uma dimensão de como projetos isolados de retirada de bicicletas como os promovidos pelo Metrô de São Paulo são ridiculamente pequenos e igualmente demagógicos. O tamanho do problema do transporte em urbano na cidade é imenso e apenas soluções sistêmicas de grande porte podem começar a reverter esse quadro.
As vantagens diretas e indiretas de construção dessa rede de ciclovias são incomensuráveis e incluem a melhora de vários índices de poluição (tanto do ar, como sonora), aumento de exercício físico na população diminuindo problemas de saúde e gastos públicos em hospitais, diminuição do uso de automóveis e consequente redução de acidentes e congestionamentos, diminuição no tempo de deslocamento, aumento de opções intermodais de transporte, aproximação dos cidadãos com o espaço urbano, entre outros. Existe vontade política ou o quê vamos mostrar nas próximas C40?
PS: As fotos que ilustram este post são de um estacionamento de bicicletas em Amsterdam
Post escrito e enviado por Gabriel Kogan
Filed under: arquitetura do território, cidade, espaço público | esfera pública | 6 Comments
Tags:bicicletas, c40, ciclovias, São Paulo, soluções urbanas, transporte público
Espero que isso aconteça mesmo! Já tou farta de perder horas em filas de carro… E ainda faço exercício sem precisar ir no ginásio.
Essa possibilidade (bicicleta como transporte urbano efetivo) soa tão distante que fica difícil imagina-la em São Paulo. Mas me parece que é um caminho inevitável (a não ser que surjam novas modalidades interessantes de transporte e deslocamento).
Todo o discurso (na verdade, ações) pró cidade e pró meio ambiente são tão conflitantes com a realidade atual, que quando começarem a ganhar espaço efetivo em nossas metrópoles, tenho certeza que ficarei muito – positivamente – surpreso. Com certeza lembrarei desse meu certo ceticismo atual.
Gostei do texto. Faço ressalva somente à este trecho:
“Além disso, o uso da ciclovia em corredores comerciais aumenta drasticamente o trânsito de pessoas e o movimento das lojas.” – não me pareceu um argumento consistente.
Logística Portuária: Estudo de Caso_ Ciclovias versus Transporte Público no Porto de Santos e na Baixada Santista
Esse estudo de caso sobre o impacto da construção de ciclovias na Baixada Santista, demonstra que a bicicleta é um precário meio de transporte e em nada substitui o planejamento urbano de transportes através do ônibus e ou metrô. Sem esse planejamento urbano dos transportes, o aumento dos congestionamentos de automóveis será inevitável e a devida responsabilidade social e sustentabilidade das cidades brasileiras jamais será alcançada.
As conclusões mostram que a principal função dos transportes públicos é aumentar a produtividade do trabalhador e isso não se dará se ele for forçado a usar tração humana, pedalando na bicicleta de 20 a 40 km diariamente, até mesmo em dia de chuva, induzindo-o a acreditar que está economizando a tarifa do ônibus ou metrô ao usar a ciclovia o que é um grave equívoco. Assim aqueles que menos podem acabam se tornando o alvo das ciclovias enquanto aqueles que podem usam os automóveis.
A bicicleta aumenta os riscos de acidente e como veículo sobre duas rodas jamais será uma alternativa ao transporte público por que é, e será sempre, inseguro e perigoso andar de bicicleta ainda que em ciclovias e assim sendo um componente que contribui para o aumento dos acidentes de trânsito.
Link para YouTube:
Link para SlideShare (PowerPoint) com pesquisa de Origem destino dos transportes da região metropolitana de São Paulo
òtima reportagem! precissamos mais analises desses, construtivos e optimistas, desde já seja bem vind@ ào ônibus ciclista (ônibus (humano(solar)-assistido) porta-bicicletas ) …estamos na mesma brisa bacana, pensando e fazendo um futuro melhor, abraço e parabens!
Amei o projecto… Continue assim! Bjo.swt.
podia ter um tipo de barclays cycle hire nas cidades, nao só em sao paulo. já que é impossivel ter metro onde eu moro (petrópolis) podiam fazer ciclovias. ah, e parabéns pelos conteúdos postados!