A Casa Mondriânica

13set11


No filme Teorema de Pier Paolo Pasolini (1968) um jovem visitante misterioso provoca a implosão dos costumes de uma rica família, desconstruindo as velhas formas de vida e substituindo-as por novos valores. A Casa Schröder do arquiteto Gerrit Rietveld, localizada na cidade de Utrecht nos Países Baixos, é como o visitante misterioso do filme de Pasolini.

A casa, destituída do requinte do século XIX, significava uma verdadeira revolução para as tradições da década de 1920. Sua arquitetura, sem uma configuração tradicional de planta e seus móveis austeros sem estofados confortáveis, ensinavam à família Schröder os comportamentos difundidos pelas vanguardas do começo do século.

Esses novos padrões sociais eram expressos visualmente na estética moderna – construída a partir da espacialização dos planos, linhas e cores puras das telas geométricas do movimento ‘De Stijl’, que fazia parte também Piet Mondrian. Rietveld edificou uma composição tridimensional, uma pintura arquitetônica, que abrigava o mínimo necessário para as atividades cotidianas.

Por dentro da fachada perfeitamente desenhada, a Casa Schröder esconde um complexo projeto de desenho industrial, elaborado até os menores detalhes, como uma máquina de morar. Designer de cadeiras e móveis, Rietveld, estendeu o pensamento e a precisão da concepção de um objeto para todo o espaço arquitetônico.

Uma cozinha, uma sala, um escritório, os banheiros e os quartos: o programa e as dimensões compactas impunham soluções criativas no reduzido terreno. Ao invés de adotar um partido arcaico, com pequenos vãos, o arquiteto criou espaços contínuos e dinâmicos que poderiam adquirir diversos usos ao longo do dia.

O percurso dos visitantes pela casa sugere a desconstrução das formas tradicionais de vida. O andar térreo, com seus ambientes claramente divididos, a não ser pelos grandes panos de vidro e a cozinha moderna, nos dá a impressão de uma casa tradicional. O andar térreo nada mais é do que um estágio revolucionário antes da apoteose que se apresenta depois da estreita escada.

No andar superior, os moradores encontram os explosivos valores modernos. Não existem quartos fechados e ambientes definidos. Ao contrário, um sistema engenhoso de portas e painéis deslizantes possibilita que todos os espaços sejam convertidos em um único, totalmente contínuo. Como habitar essa casa? Os espaços integrados e dinâmicos formulavam um desafio para a vida cotidiana e para as atividades domésticas.

A casa interferia incisivamente no comportamento dos seus moradores: a privacidade se diluía e todo o andar superior era um lugar de encontro. Alguns anos depois de pronta, um pequeno fogão foi incorporado também nesse espaço, reforçando os novos hábitos e a adoção pela família dos costumes modernos.

Com todas as portas abertas, os cômodos são demarcados pelas cores do piso. À noite, as portas se fechavam. Não havia, porém, qualquer isolamento acústico e a ausência de privacidade se estendia também para a relação entre o interior e o exterior. A casa, incialmente locada no limite urbano, enxergou através de suas generosas janelas que olhavam para o espaço rural, uma rápida expansão da cidade que quase acabou por cortar a residência no meio com um grande viaduto. Tanto de dentro como de fora se pode ver tudo.

O espaço dinâmico impõe o uso de mobiliários especificamente projetados para aproveitamento máximo das pequenas áreas. Não há lugar para uma velha poltrona, tanto do ponto de vista físico como estético. Os móveis da Casa Schröder fazem parte da sua arquitetura assim como os pilares e ajudam a definir como se vive naquele espaço.

Não apenas o projeto de Rietveld transformou a família Schröede: geralmente lembrada como um exemplo de grande participação do cliente no projeto, a casa acabou por expor uma relação ainda mais íntima da proprietária com o arquiteto. O arquiteto habitaria a residência depois da morte do Sr. Schröeder, juntamente com a viúva. Como o visitante misterioso de Teorema, Rietveld e sua arquitetura acabaram por desconstruir totalmente as antigas estruturas.

Texto publicado originalmente na revista Bamboo. http://bamboonet.com.br/

Post escrito e enviado por Gabriel Kogan

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