Uma Nova Casa

19out11

Durante muitos anos o Cosmopista foi a casa dos meus pensamentos feitos palavras. Durante toda minha vida morei em São Paulo. Agora passo alguns meses fora da minha cidade e o Cosmopista também não me parecia mais a casa certa para esses pensamentos.

Como Alice, que de uma pequena porta descobre um outro mundo, haverei de criar um novo rio artificial, rio construído de pensamento, um rio que corre aí ao lado, um canal lateral (http://www.canallateral.com). Esse canal navegável, de onde partem e chegam barcos, cheios de histórias, sentimentos, letras, vazios, ideias.

O Cosmopista é o parafuso do napolitano do texto de Cortazar. Primeiro uma simples piada, uma gozação, uma irritação comunal, reunião de amigos, possibilidade de violar direitos cívicos e, finalmente, a paz. Um lugar quase místico em que eu poderia por alguns instantes me sentir livre. Talvez cada um dos meus amigos Autonautas olhe esse nosso grande parafuso de alguma maneira. Pois que esse parafuso talvez sempre seja para nós um lugar de reunião, de encontro. Não tranco o parafuso numa caixa para nunca mais abrir, mas ela será visitada com pouco frequência, como uma casa de final de semana. O Canal Lateral, assim imagino, haverá de ser um novo parafuso do para outro velho napolitano.

Mais do que qualquer visitante desastrado que esbarre em um dos textos que moram no Cosmopista, esses textos são lembraças, para mim são lembraças. Eles são um bom retrato, melhor do que qualquer foto 3 por 4 ou grande formato. Eles são o quebra-cabeça dos últimos três ou quatro anos, é o que me constróio. Estou de mudança, como sempre estamos, como um longo rio que nunca acaba e sempre traz novas águas, ou como diria o poeta:

“Entre o sono e o sonho,

Entre mim e o que em mim

É o quem eu me suponho,

Corre um rio sem fim.

 

Passou por outras margens,

Diversas mais além,

Naquelas várias viagens

Que todo o rio tem.

 

Chegou onde hoje habito

A casa que hoje sou.

Passa, se eu me medito;

Se desperto, passou.

 

E quem me sinto e morre

No que me liga a mim

Dorme onde o rio corre —

Esse rio sem fim.”

 

Fernando Pessoa

Post escrito por Gabriel Kogan

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One Response to “Uma Nova Casa”

  1. 1 priscyla gomes

    [meu prólogo cortaziano à sua nova casa]

    “Digamos que não acredito em prólogos [tampouco em despedidas], mas em compensação acredito na amizade e por isso ao longo dos anos acompanhei muitos amigos artistas e poetas nas suas aventuras de papel e de tela e de argila [e de grafite]; como encontrar-se para vagar pelas ruas da cidade, conversando entre café e café, cigarro e cigarro. […]

    É por isso que hoje saio com você, porque sua poesia é o Chile e isto quer dizer que é de muitos além da sua, e nesses muitos eu me incluo porque sempre fui chileno e argentino e panamenho e o que mais você quiser desde que seja na América Latina. Mais de um franzir o nariz patriótico, mas não ligue, Cigano, vamos pelas ruas cantando e falando da sua Valparaíso que conheci em quarenta e dois; você deveria ser guri, quem sabe nos cruzamos numa esquina e nos entreolhamos, um moleque chileno e um turista de Buenos Aires com sua Kodak na mão. Quer que eu lhe conte coisas de Valparaíso em quarenta e dois? […]

    Viu, o Chile e eu temos uma velha amizade, imagine que nessa mesma viagem eu escrevia poemas o tempo todo e tenho um que fala nada menos que de Arturo Prat, outro sobre o Mapocho e creio que até um sobre o morro Santa Luzia. Não faça essa cara, nunca os publiquei; eram as minhas cartas de amor porque eu estava apaixonado pelo Chile – com a chilenas incluídas – e essas coisas se guardam em segredo. Mas eu as conto para que você sinta ainda mais por que sua terra é minha, porque estive com vocês no dia em que foi preciso estar e tanta gente ficou em casa, porque gusto de estar na companhia de vocês nestas mesmas páginas onde agora mesmo vai irromper sua poesia, sua voz, seu povo.

    Agora mesmo, Cigano, porque já chegamos à esquina e eu me despeço. Continue sozinho, porque não está sozinho; eu tampouco volto sozinho. A gente se vê, amigo.”

    Cortázar, Julio. Papéis inesperados [o texto “Carta de um amigo” é um prólogo escrito para o livro de Osvaldo Rodríguez Musso]


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