Baudelaire, Cortazar, Antonioni. Quantas vezes tentamos falar sobre isso? Pois e se virarmos a esquina e tudo virasse junto? É a mesma cidade, totalmente diferente. E se acordarmos um dia e só porque está muito frio nada mais é como antes?

Pois é esse frio que transforma o rio em rua e a rua em rio. E em um breve momento, o que pensamos ser uma coisa se torna outra e nossa percepção, por esse simples detalhe, do lugar que construímos também passa dessa coisa para coisa diferente. Não é mais a cidade que construímos, é outra. Ruas que nos fizeram sermos outros. Não mais construímos as cidades, mas elas que nos constroem.

Agora vagamos solitários por essas ruas e por esses rios, tentando entender o que aconteceu. É como se caminhar sobre as águas. Tudo mudou sem mudar nada. Foi só o frio. E quem poderia prever? No próximo dia, as ruas voltam a serem ruas e os rios, rios. Voltamos de onde viemos, mas agora não somos mais os mesmos. São esses encontros inesperados com nós, que chamamos às vezes pelo nome de cidade, que nos mantém vivos. Uma surpresa, nada.

Pois na manhã seguinte, voltamos a travar mais uma vez amizades com porteiras de vozes roucas. Mais uma vez e sempre. Nem mais sabemos quem são essas porteiras e qual a relação delas com aquele fogo surdo que corre por baixo das soleiras. Por lá as porteiras e as soleira ficam e nem podemos ousar questioná-las. Questionar a amizade que travamos com elas. Mas talvez estes que saem dessas velhas casas, ou essas velhas porteiras, não descubram que esse lugar não é mais o mesmo. Vocês não veem?