Rotterdam Cidade Morta
Algumas cidades morrem e revivem, algumas não voltam. Primeiro o bombardeio alemão de 14 de Maio de 1940. A cidade histórica nunca mais existiria. Toneladas de explosivos pairando nos céus. Depois o golpe definitivo: a reconstrução que trataria de selar seu futuro melancólico. Se o bombardeio arrancou a cabeça, a reconstrução ergueu o mausoléu.
Em Rotterdam, os desdobramentos da Arquitetura Moderna mostram o seu lado mais perverso. O velho casario deu lugar à tábula rasa, e a tábula rasa deu lugar aos inúmeros arranhas céus. E junto com os blocos modernos verticais ou horizontais, redondos ou quadrados, retos ou tortos, emerge um imenso vazio. Não há nada. Não há multidões. Há apenas o vazio, esse vazio que a arquitetura busca. Uma cidade de esplanadas em que se caminha sozinho, a procura de uma alma.
Rotterdam poderia lembrar Brasília. Mas Brasília é bela, emocionante e única. Tudo que Rotterdam nunca será. Brasília é barroca, precisa e encantadora. Rotterdam é gélida, árida e terrivelmente sofisticada.
Ah! Mas que sonho triste esse de cidade global. Por entre algumas ruas, a vida ainda insiste em florescer. Vida maldita. Um jazz as quartas ou uma torta de maçã no final da tarde – mas não muito tarde porque senão a delicatessen estará fechada. São como fohas nascendo entre as pedras do mausoléu. Estarão sempre lá. Em qualquer mausoléu. Pois que morte desgraçada. Morreu e ainda levaram a alma.
O que o futuro guarda para Rotterdam, cada vez mais rica? Provavelmente nada, como sempre. Seus prédios de vidros multicoloridos abrigarão um remake de Playtime que, com sorte, passará por lá no festival de cinema. Nessas épocas as cidades se disfarçam. Forjam alma. Quem sabe uma nova ponte! Uma ampliação do porto! Ou outro arranha-céu de vidro! Ou uma nova festa no novo apartamento! Isso é tão empolgante! Só outra tábula rasa poderia salvar a cidade de seu completo marasmo, eterno enquanto durar. Naqueles ruas… Ixi. Não nasce vida.
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