Moscou Lá Longe e Aqui
Estou agora sentado no pátio ensolarado da faculdade. Faltam poucas horas para enfrentar novamente o assustador aeroporto de Moscou. Pois será apenas em cirílico, menos desconhecido do que há alguns dias atrás, que lerei o nome do meu destino de volta. Aquele não é um lugar para estrangeiros, esse aviso você recebe logo quando desembarca. Um bom designer não teria dificuldades para encontrar trabalhos por ali e sem muito esforço facilitaria a vida dos visitantes. Mas eles não querem isso, senão já teriam feito.
Pois bem, ainda estou no pátio, não cheguei ao aeroporto. Depois desses dias nesse lugar quase exótico, encontro momentos reconfortantes. Se a aventura na cidade foram empolgantes (ou por vezes amedrontadoras), agora acho por lá um pedacinho da minha velha casa. Anna, Kate, Carlos e Ricardo. Por lá ficamos conversando como raras vezes consegui fazer no velho continente, se é que eu estava agora exatamente no velho continente ou em um ainda mais velho. Nem sei bem onde estava, talvez de fato nunca tão longe de casa.
Se de início assumia a postura de jornalista que tentava desvendar as propostas daquela nova faculdade, naquele banco ao sol me rendia a aquele grupo de pessoas interessadas e interessantes e isso parecia hoje tão surpreendentemente incomum. Não saber de nada e, talvez por isso mesmo, não se interessar por nada. É essa a regra. Encontrava por lá felizes exceções. Senti saudades dos meus amigos. Senti que queria que meus amigos conhecessem aquelas pessoas. Um sentimento que raras vezes tive nos seis meses que antecederam esse dia ensolarado naquela capital. A solidão mora entre a necessidade e a vontade.
Se por um lado é impossível se sentir confortável em um lugar tão distante e diferente, nos quatro dias que antecederam, tive breves impressões de que algo naqueles transeuntes das grandes avenidas de Moscou tinham algo a dizer, algo a perguntar. Os russos olham nos olhos, perfuram seus olhos. E isso é muito bom. Como Homens do passado curiosos pelo futuro que vivem agora. Mas se essa vontade de se comunicar não poderia se traduzir em realidade, seja pela cultura que não se deixa penetrar, seja apenas pela própria língua não menos indecifrável, agora poderia adentrar por breves minutos por algumas janelas.
Eu não era o único que não era russo naquele banco, que se diga. Estavam todos lá e isso talvez baste por agora. Éramos todos russos e, ao mesmo tempo, todos estrangeiros. ‘Aqui, aquilo que é diferente é proibido’. Aqui ou ali. A Rússia contemporânea parece nada mais do que um catalisador de nossos medos e desejos, que podem facilmente se tornarem patológicos. Por lá tudo isso ainda é Naïf, como as pessoas que andam pelas ruas e miram nos olhos como te perguntassem: quem é você, quero te conhecer, porque você está aqui, não vou falar com você e o que você quer de mim. Ou como este oposto, as meninas mimadas sem nada a dizer ou a perguntar. A Rússia está um passo atrás e dois na frente. As pessoas são soviéticas. O modo de vida delas, um doentio capitalismo terminal: não quero saber do que não me pertence, vai embora daqui se não tem algo a me dar, tenho meu BMW e pronto, quero outro, dois outros. Ainda somos soviéticos ou nada parece o que é ou, o que parece, é.
Tudo que eu conversava agora no pátio ensolarado parecia um olhar estrangeiro, mesmo que local. Uma crítica de si mesmo, de nossa existência cada vez mais contraditória. Conversava sobre isso. Uma conversa com amigos que eu nunca tinha visto e talvez nunca mais veja. Tenho que partir, enfrentar o alfabeto cirílico dos televisores soviéticos do aeroporto. Até talvez.
Escrito por Gabriel Kogan
Filed under: Sem-categoria | 1 Comment
“A solidão mora entre a necessidade e a vontade.”