Casas-Referências: quatro arquitetos, de diferentes gerações, indicam obras que são fortes referências para seus trabalhos.
Qual arquiteto não tem uma biblioteca em seu escritório e que, de tempos em tempos, não volta a consultá-la, seja em busca de inspiração, seja para copiar um detalhe, seja para admirar um projeto? A história da arquitetura é assim: um projeto puxa o outro, nada é criado do zero. O uso de referências de outros arquitetos, de outras obras, é parte fundamental do desenho na arquitetura.
Quatro profissionais, de diferentes gerações, falam dessas referências. Cada um indicou uma casa, de outros arquitetos, que mora em seu imaginário e que estabelece um diálogo com pelo menos um de seus projetos. Mais do que uma simples indicação, as conversas se tornaram um exercício de generosidade, em que os arquitetos se sentiram livres para homenagear obras e pessoas importantes para suas carreiras.
Milton Braga
“Você sabia que eu morei na casa do Paulo Mendes da Rocha?”. Foi assim que Milton Braga começou a conversa. Em 1994, quando Paulo estava deixando sua famosa residência no Butantã – obra tida como uma das mais importantes da arquitetura brasileira – ele deixou que alguns de seus jovens colegas ficassem por lá. Pediu em troca a reforma da marcenaria. Ao lado de outros três amigos, Milton montou uma república e viveu por pouco mais de um ano na casa. Foi uma experiência impactante, e não poderia ser diferente. A casa traz princípios radicais de arquitetura: construída totalmente elevada do chão, por apenas quatro pilares, tem uma estrutura de concreto inventiva. Por dentro, os quartos, separados por paredes baixas, não permitem qualquer privacidade entre os moradores, desafiando a vida cotidiana.
Quando Milton Braga ao lado dos parceiros do MMBB no final da década de 1990 – como Angelo Bucci – foram convidado para fazer uma residência em Aldeia da Serra, o convívio na Casa Butantã ainda estava muito forte na memória. A casa tem referências da obra do mestre, como em uma bela homenagem de uma geração mais jovem: assim como no Butantã, a casa de Aldeia da Serra se eleva sobre quatro pilotis, utilizando inteligentemente a topografia existente no terreno. A planta também parece uma citação: em vez de um bloco central de quartos como na obra de Paulo, o MMBB desenhou um volume similar que abriga a cozinha e os banheiros. Mais do que estudar em livros, Milton teve a oportunidade de experimentar a arquitetura residencial de Paulo Mendes.
Casa de Alderia da Serra do MMBB
Casa Butantã de Paulo Mendes da Rocha
Planta de Alderia da Serra do MMBB
Planta da Casa Butantã de Paulo Mendes
Eduardo Longo
Rem Koolhaas visitou a famosa Casa Bola em 2011 e perguntou para Eduardo Longo qual era a influência dos metabolistas japoneses na sua obra, já que eram experiências muito semelhantes. Eduardo foi enfático: nenhuma. Na época que começou a fazer sua residência, no final dos anos 1960, mesmo dividindo muitos princípios arquitetônicos com os metabolistas, ele simplesmente não conhecia os japoneses, que se utilizavam de módulos pré-fabricados – espécie de capsulas habitacionais a serem reproduzidas pela cidade. Então qual são as referências que Longo, esse arquiteto tão atípico e criativo da arquitetura de São Paulo, incorpora em seus projetos?
“Quando fiz a minha casa, eu tinha esse projeto na cabeça”, diz Longo apontando para a tela do computador que mostrava uma obra incrivelmente similar a primeira versão construída de sua residência da Rua Amauri. É uma casa pouco conhecida hoje, feita em 1968 por José Priester, mas “que teve seu momento de fama”, nas palavras do próprio arquiteto. Pouco mais velho que Longo, Priester trabalhou com Eduardo de Almeida no começo de carreira e projetou essa casa para sua família no Jardim Marajoara, em São Paulo. Em comum com a casa de Eduardo Longo, há a fachada estreita, que se eleva em formato trapezoidal, criando um pé-direito alto no interior. Esses conceitos foram marcantes para Longo edificar no apertado lote urbano da Rua Amauri. Longo lembra ainda a influência em sua carreira de seu mestre Franz Heep e de outras obras modernas como a casa Cunha Lima de Joaquim Guedes e a Casa Antonio Delboux de Carlos Milan.
Residência da Rua Amauri de Eduardo Longo
Casa do Jardim Marajoara de José Priester
Vito Macchione
Vito Macchione é um jovem arquiteto com bastante experiência. Trabalhou em alguns dos mais importantes escritórios de São Paulo, como o MMBB e Eduardo Colonelli, e hoje tem seu escritório, o Doisamaisv. Dominando um amplo espectro de projetos pelo mundo, conversar com Vito é viajar um pouco pela história da arquitetura. A novíssima geração de arquitetos paulistas, ao mesmo tempo em que permanece grande admiradora dos modernistas brasileiros de meados do século XX, parece cada vez mais aberta para as influências que vêm de fora, como de Portugal, Chile, Japão e a Escandinávia.
Para o projeto Casa em Araçoiaba da Serra, executado no ano passado, Vito se debruçou tanto no estudo de algumas casas brasileiras, como o Pavilhão Carambó do Una Arquitetos, de 2002, quanto estrangeiras, como a Eco House do norueguês Sverre Fehn de 1992. A fachada lateral que expõe o corte transversal da casa, como uma fatia da construção, é um elemento comum entre as três obras. O projeto revela este encontro de várias arquiteturas. Se por um lado, a Casa de Araçoiaba da Serra tem uma estrutura toda feita em madeira, similar às construções escandinavas; por outro lado, o próprio arquiteto lembra que “o bloco de concreto que aflora do solo acabou sendo um elemento que remete à arquitetura moderna paulista, mesmo que talvez o único do projeto”.
Anexo para Hóspedes em Araçoiaba da Serra
Pavilhão Carambó do Una Arquitetos
Marcos Acayaba
No seu livro publicado pela editora Cosac Naify, Acayaba fez questão de incluir, para cada um de seus projetos, obras de outros arquitetos que serviram como inspiração. “Alguns arquitetos quando viram aquilo falaram que eu não devia entregar tão facilmente essas referências”. Mas Acayaba, professor da FAUUSP, quer dividir o conhecimento. Para ele, as fontes de inspirações vindas de outros projetos são partes fundamentais do ato de projetar. Inevitáveis. “Há uma frase famosa que diz que a arquitetura é sempre 95% de inspiração e 5% de transpiração”. Pois de onde vêm esses 5% de inspiração de suas obras?
Para a famosa Casa Hélio Olga, Acayaba menciona a importância da obra do arquiteto alemão Mies van der Rohe. Em um projeto na Itália que nunca foi construído, a Glass House on a Hillside, Mies desenhou uma casa que se projeta para fora da montanha, como uma ponte que desaparece no infinito. A obra é estruturada por uma treliça metálica feita de elementos triangulares estáveis. Acayaba faz uma relação também com Craig Ellwood, discípulo direto de Mies, que projetou a Weekend House, outra casa-ponte. Em comum com a Casa Hélio Olga em São Paulo, essas obras têm uma peculiar implantação no terreno, em que o volume se descola do solo. Além disso, a estrutura – pensada junto com o proprietário que é engenheiro – lembra as obras de Mies e Ellwood, mas aqui nos trópicos foi reelaborada para a madeira. Acayaba sintetiza o processo projetivo com uma frase do matemático Henri Poincaré, “Criatividade é unir elementos existentes com conexões novas que sejam úteis”.
Residência Hélio Olga de Marcos Acayaba
Desenho esquemático da estrutura da Residência Hélio Olga
Croquis da Glass House on a Hillside de Mies Van der Rohe
Weekend House de Craig Ellwood
Texto de Gabriel Kogan, 21/01/2014
(originalmente publicado na revista bamboo)
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Caro Amaigo Zico Priester tudo bem? beleza de Arquitetura, mararavilha gostei muito de todos os projetos. Um grande abraço.