Sobre Arte, com Raiva (II): Não entendeu?
Que a arte se tornou um commodity especulativo, não é novidade. Que a arte é hoje uma arma da valorização imobiliária, também não. A exposição ‘Made by… Feito por Brasileiros’ no Hospital Matarazzo arrecadou R$3,2 milhões em dinheiro público para catapultar um novo empreendimento imobiliário a ser edificado no lugar em breve (como foi bem descrito por Fabio Cypriano em seu artigo, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/184652-mostra-parece-so-disfarcar-projeto-imobiliario.shtml). Raras vezes os assuntos ‘arte’ e ‘mercado imobiliário’ foram aproximados de forma tão gritante e cínica.
Resta-nos discutir a ingenuidade dos artistas (esfomeados) que se submetem a projetos desse tipo, sem (pasmem!) muitos deles terem recebido qualquer coisa para isso. Em busca de prestígio, concederam as obras para que o empreendedor imobiliário pudesse se alavancar financeiramente. Escapa-me o que pensaram eles. Talvez quisessem o afago do empresário que os chamou de ‘novos bandeirantes’, esses assassinos-heróis desbravadores do país e que agora abrem as portas para o capital dizimar o que ainda nos resta das cidades.
É comum dirigirmos a críticas aos curadores. Mas vamos devolver a arte aos artistas e cobrar deles a responsabilidade por seus trabalhos, esperando que a importância exagerada conferida hoje a curadoria possa ser enfim eclipsada. Chama a atenção a falta de compreensão dos artistas não só da situação política em questão; mas da possibilidade de ocupação do hospital abandonado. Disponibilizado os espaços para a produção dos chamados ‘site specific’, a gigante maioria dos artistas usou as salas como lugares convencionais de exibição, com obras soltas no meio do ambiente ou com projeções de vídeos, como num museu. Nesses casos, a interface com o local não se estabelece nem como relação espacial criativa, nem como sentido em relação ao contexto histórico. Os artistas não parecem ter entendido as possibilidades abertas pelo uso do espaço em questão. A arte vai muito mal, obrigado.
Há de ser dito que temos por lá pelos menos uma dúzia de boas obras, além de 5 instalações excepcionais: de Iran do Espírito Santo, Cinthia Marcelle, Artur Lescher, Daniel Senise (um trabalho emocionante…) e (único estrangeiro dessa lista) Per Barclay. Mas não consigo abrir muitas concessões, nem aqui. Como artistas tão bons, que são capazes de fazer obras tão poderosas, se deixaram participar desse evento?
“A arte é mais”, bradou certa vez um dos artistas representados na mostra em uma palestra. Devemos nos perguntar antes: “Mais para quem, oras?”.
Gabriel Kogan, 20.09.2014
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